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quarta-feira, 15 de abril de 2020


Mães e Filhos

Das Raízes às Sementes

Quando refletimos nossa existência e condição de mulheres, podemos lembrar das vidas de nossas mães, avós e bisavós...  Nossas raízes, nossas ancestrais ligadas pelo vínculo familiar sanguíneo ou pelas fibras do nosso coração.
Vidas cheias de fé, sofrimentos e alegrias, que chegaram a nós através das narrativas transmitidas oralmente e ilustradas por sons, cantigas, aromas e cheiros, temperos e sabores, que despertam sensações estranhas e ao mesmo tempo tão familiares e aconchegantes em nossa memória desde a tenra infância.
Histórias algumas vezes guardadas em baús repletos de cartas, fotografias amareladas, roupas e objetos que, mesmo envelhecidos, despertaram ainda hoje o desejo de conhecer a quem pertenceram.

Na contínua luta pela sobrevivência e pela sua dignidade, estas mulheres demonstraram grande resiliência às perdas, privações e aos desamores. Algumas vezes foram o esteio familiar que permitiu a continuidade dos seus, pois nem todas foram agraciadas pela presença de bons companheiros.
Há relatos de mulheres que tudo deixaram para trás e se aventuraram com seus amores em travessias distantes, fugindo do infortúnio ou da guerra, na busca por uma vida melhor. Tempos distantes em que lançar-se ao mar com os seus representou um ato de grande coragem, sem certezas, apenas esperança e muita fé.
Estas mulheres merecem nosso sincero reconhecimento e gratidão!

Nossas ancestrais devem ter se sentido felizes quando encontraram o solo fecundo para fixar suas raízes e gerar seus frutos, mesmo quando havia intensa saudade do que deixaram para trás. Com o auxílio de seus companheiros ou não, regaram com muito suor e lágrimas este chão e desfrutaram os contínuos ciclos das estações, alvoradas e poentes, lunações infindas registradas em seus próprios ciclos. Esculpiram em seus semblantes as marcas das tempestades e das bonanças. Sorriram e choraram pelos seus filhos.

Das sementes que não feneceram, estamos aqui! Resgatando um legado, horando o que foi bom e buscando a compreensão e o perdão pelo que feriu.

Nas fotografias esmaecidas e amareladas pelo tempo vemos a força da vida, o registro da existência, legado de cada elo do amor. Vemos também as dores e alegrias de quem gestou, pariu e de quem cuidou. Entre mortes e nascimentos, separações e novos amores, cresceram as ramagens de uma antiga e bela árvore. Olhamos para ela e identificamos as semelhanças nos olhares e expressões das gerações de agora. Vemos a nós mesmas e aos nossos filhos na herança dos traços e personalidades, nos gostos e afinidades, entrelaçados como galhos. Cada um, a sua maneira, mostra que possui a mesma seiva, uma ligação com a origem, com o mesmo tronco. Tão parecidos, mas únicos em seus contornos.

Reverenciamos com sinceridade às mulheres de nossa árvore que não gestaram nem pariram por seus ventres, mas nutriram seus entes através de seu afeto, cuidados e presença. Tias, irmãs, primas, agregadas, empregadas, parentes ou não, que trabalharam com afinco e perseverança, zelando pelas crianças, doentes e idosos. Boas amigas e conselheiras. Apoiadoras e parceiras de importantes conquistas e realizações. Seus corações geraram amor e carinho essencial, pois nem só da carne e do sangue se fazem as alianças duradouras, as heranças e aprendizados.
Do esforço de cada uma destas mulheres que vieram antes de nós houve condição para a nossa existência, presente tão precioso. Sem elas a árvore não vingaria.
À estas mulheres dedicamos nosso sincero reconhecimento e gratidão!

E como era no princípio, aqui seguimos plantando, junto com nossos companheiros, as sementes que são nossos filhos. Com a vinda deles vivemos uma transformação visceral na gestação (dentro ou fora do ventre), quando idealizamos o melhor, o sonho de ser mãe. No parto atravessamos limites antes inexplorados, precisamos da confiança e da entrega, independente do nascimento que cada bebê escolhe. Ao amamentar vemos mais um milagre, nutrir com nossa própria seiva...
Criar e compreender os filhos é mesmo bem intenso, nas dores e alegrias! Por isso vale a pena lembrar de quem nos gerou e criou e seguir em frente. A chegada de um novo ser é um encanto da vida.
Ela ensina que não controlamos tudo e que comparações são desnecessárias. Somos mães, assim como outras, que fazem o melhor que podem e a criação segue como é possível, entre erros e acertos, repetindo padrões e também transformando àqueles que precisam se renovar.

Estes filhos, nossos frutos, também refletem em parte nossa pessoa, em seus traços físicos e de personalidades, em suas dificuldades e qualidades. São os guardiões das heranças misteriosas dos tempos e histórias tão antigas. Assim como nós, terão que fazer suas escolhas e deles dependerá o futuro: Que sonhos realizarão? Quem serão seus pares? Plantarão suas sementes? Quais heranças e legados guardarão e transmitirão? Semearão a Paz? Que caminho seguirão???

Nos cabe reconhecer, aceitar e honrar nossos filhos com gratidão! A sua existência nos ensina uma grande lição de amor, mesmo diante de grandes desafios no entendimento e compreensão entre nossas gerações. Deles dependerá a continuidade da nossa existência, a árvore da nossa vida.
Que as raízes sejam fortes o suficiente para nutrir e sustentar os novos frutos, e que suas sementes cresçam em solo fértil, que não se percam em vão!
À esta nova geração dedicamos nossa esperança, reconhecimento e gratidão!

*Texto que escrevi para a abertura do mês de maio na Agenda Natureza Feminina 2020 -  Sete Pétalas.
Aquarela de Marina Palet