Mães e Filhos
Das Raízes às Sementes
Quando refletimos nossa
existência e condição de mulheres, podemos lembrar das vidas de nossas mães,
avós e bisavós... Nossas raízes, nossas
ancestrais ligadas pelo vínculo familiar sanguíneo ou pelas fibras do nosso coração.
Vidas cheias de fé, sofrimentos e
alegrias, que chegaram a nós através das narrativas transmitidas oralmente e
ilustradas por sons, cantigas, aromas e cheiros, temperos e sabores, que
despertam sensações estranhas e ao mesmo tempo tão familiares e aconchegantes
em nossa memória desde a tenra infância.
Histórias algumas vezes guardadas
em baús repletos de cartas, fotografias amareladas, roupas e objetos que, mesmo
envelhecidos, despertaram ainda hoje o desejo de conhecer a quem pertenceram.
Na contínua luta pela
sobrevivência e pela sua dignidade, estas mulheres demonstraram grande
resiliência às perdas, privações e aos desamores. Algumas vezes foram o esteio
familiar que permitiu a continuidade dos seus, pois nem todas foram agraciadas
pela presença de bons companheiros.
Há relatos de mulheres que tudo
deixaram para trás e se aventuraram com seus amores em travessias distantes,
fugindo do infortúnio ou da guerra, na busca por uma vida melhor. Tempos
distantes em que lançar-se ao mar com os seus representou um ato de grande
coragem, sem certezas, apenas esperança e muita fé.
Estas mulheres merecem nosso
sincero reconhecimento e gratidão!
Nossas ancestrais devem ter se
sentido felizes quando encontraram o solo fecundo para fixar suas raízes e
gerar seus frutos, mesmo quando havia intensa saudade do que deixaram para
trás. Com o auxílio de seus companheiros ou não, regaram com muito suor e
lágrimas este chão e desfrutaram os contínuos ciclos das estações, alvoradas e
poentes, lunações infindas registradas em seus próprios ciclos. Esculpiram em
seus semblantes as marcas das tempestades e das bonanças. Sorriram e choraram
pelos seus filhos.
Das sementes que não feneceram,
estamos aqui! Resgatando um legado, horando o que foi bom e buscando a
compreensão e o perdão pelo que feriu.
Nas fotografias esmaecidas e
amareladas pelo tempo vemos a força da vida, o registro da existência, legado
de cada elo do amor. Vemos também as dores e alegrias de quem gestou, pariu e
de quem cuidou. Entre mortes e nascimentos, separações e novos amores,
cresceram as ramagens de uma antiga e bela árvore. Olhamos para ela e
identificamos as semelhanças nos olhares e expressões das gerações de agora.
Vemos a nós mesmas e aos nossos filhos na herança dos traços e personalidades,
nos gostos e afinidades, entrelaçados como galhos. Cada um, a sua maneira,
mostra que possui a mesma seiva, uma ligação com a origem, com o mesmo tronco.
Tão parecidos, mas únicos em seus contornos.
Reverenciamos com sinceridade às
mulheres de nossa árvore que não gestaram nem pariram por seus ventres, mas
nutriram seus entes através de seu afeto, cuidados e presença. Tias, irmãs,
primas, agregadas, empregadas, parentes ou não, que trabalharam com afinco e
perseverança, zelando pelas crianças, doentes e idosos. Boas amigas e
conselheiras. Apoiadoras e parceiras de importantes conquistas e realizações.
Seus corações geraram amor e carinho essencial, pois nem só da carne e do
sangue se fazem as alianças duradouras, as heranças e aprendizados.
Do esforço de cada uma destas
mulheres que vieram antes de nós houve condição para a nossa existência,
presente tão precioso. Sem elas a árvore não vingaria.
À estas mulheres dedicamos nosso
sincero reconhecimento e gratidão!
E como era no princípio, aqui
seguimos plantando, junto com nossos companheiros, as sementes que são nossos
filhos. Com a vinda deles vivemos uma transformação visceral na gestação
(dentro ou fora do ventre), quando idealizamos o melhor, o sonho de ser mãe. No
parto atravessamos limites antes inexplorados, precisamos da confiança e da
entrega, independente do nascimento que cada bebê escolhe. Ao amamentar vemos
mais um milagre, nutrir com nossa própria seiva...
Criar e compreender os filhos é
mesmo bem intenso, nas dores e alegrias! Por isso vale a pena lembrar de quem
nos gerou e criou e seguir em frente. A chegada de um novo ser é um encanto da
vida.
Ela ensina que não controlamos
tudo e que comparações são desnecessárias. Somos mães, assim como outras, que
fazem o melhor que podem e a criação segue como é possível, entre erros e
acertos, repetindo padrões e também transformando àqueles que precisam se
renovar.
Estes filhos, nossos frutos,
também refletem em parte nossa pessoa, em seus traços físicos e de
personalidades, em suas dificuldades e qualidades. São os guardiões das
heranças misteriosas dos tempos e histórias tão antigas. Assim como nós, terão
que fazer suas escolhas e deles dependerá o futuro: Que sonhos realizarão? Quem
serão seus pares? Plantarão suas sementes? Quais heranças e legados guardarão e
transmitirão? Semearão a Paz? Que caminho seguirão???
Nos cabe reconhecer, aceitar e
honrar nossos filhos com gratidão! A sua existência nos ensina uma grande lição
de amor, mesmo diante de grandes desafios no entendimento e compreensão entre nossas
gerações. Deles dependerá a continuidade da nossa existência, a árvore da nossa
vida.
Que as raízes sejam fortes o
suficiente para nutrir e sustentar os novos frutos, e que suas sementes cresçam
em solo fértil, que não se percam em vão!
À esta nova geração dedicamos
nossa esperança, reconhecimento e gratidão!
*Texto que escrevi para a abertura do mês de maio na Agenda Natureza Feminina 2020 - Sete Pétalas.
Aquarela de Marina Palet